Fernando Nogueira da Costa* | No GGN

A visão da economia como sistema complexo emergente das interações entre seus diversos componentes sociais se afasta do simplório modelo dicotômico do “nós” (pobres) contra “eles” (ricos). “Classes” são também uma construção cultural, mas esta não costuma destacar esse aspecto extra econômico dos valores político-ideológicos relacionados às profissões. Nossas ocupações se relacionam com nossos valores. A profissão e a experiência no ambiente de trabalho com colegas corporativos são fundamentais para a formação das atitudes políticas. Por isso, a estratificação de castas.

Não há, entretanto, uma correlação direta ou causal entre os valores e a posição na estrutura do poder político ou econômico. Outros atributos da pessoa – ambiente familiar e educacional, nível de escolaridade, faixa etária, opção sexual, ateísmo ou religiosidade, etc. – também importam para o posicionamento ideológico. O estudo de casos dos candidatos na eleição de 2018 é um bom teste para essa hipótese.

As principais dinastias políticas do Brasil lançaram mais de 60 candidatos nas eleições de outubro, mostra levantamento feito pela Folha (19/08/18) nos registros da Justiça Eleitoral. Se levados em conta os núcleos familiares menores, o número aumentaria.

Atualmente, o Brasil tem cerca de duas dezenas de grandes clãs políticos. Os donatários estão em quase todos os Estados ou “Capitanias Hereditárias”: Pará (Barbalho), Maranhão (Sarney), Ceará (Gomes), Rio Grande do Norte (Maia, Alves), Paraíba (Cunha Lima), Pernambuco (Coelho, Arraes), Alagoas (Collor, Calheiros) Bahia (Magalhães), Minas Gerais (Andrada, Neves), Estado do Rio (Garotinho, Bolsonaro), São Paulo (Tatto), Paraná (Barros, Richa, Requião), Distrito Federal (Roriz).

Estimou-se, em 2014, quase a metade dos integrantes da Câmara e do Senado tinha parentes dinásticos, muitos detentores de concessão de rádio e TV. Esses clãs pertencem à“casta dos oligarcas governantes”. Seus filhos, netos, cônjuges, irmãos e sobrinhos seguem a tradição de transferência de poder de uma geração a outra da mesma família. Constituem uma base parlamentar avessa a mudanças significativas. Levamà permanência na sombra do poder de patriarcas por trás dos eleitos. São políticos tradicionais desgastados ou até impedidos de concorrer em eleições.

Oligarquia é regime político em que o poder é exercido por um pequeno grupo de pessoas, pertencentes ao mesmo partido, classe ou família. Por extensão, significa a preponderância de um pequeno grupo no poder.No Senado Federal, e até na Câmara de Deputados, perpetuam-se ex-governadores estaduais.

Antes do fim do financiamento corporativo das eleições dos candidatos, os empresários se articulavam em lobbies ou com senadores/deputados “devedores de favores” para influenciar Executivo e Legislativo. Face à ameaça de tributação progressiva de rendas e fortunas, heranças e retirada de isenções ou desonerações, além do risco de criminalização,agora eles mesmos querem imunidade parlamentar e autoproteção.

Segundo levantamento feito pela Folha de S.Paulo (19/08/18) na base de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), havia 309 empresários candidatos em 1998, cerca de 2% do total. Em 2006, foram 1.468, quase 8% do total. Na disputa em curso, até agora, são 2.491 —mais de 10% do total. O número ainda é parcial, mas já é um recorde.

O IEE (Instituto de Estudos Empresariais) identifica dois grandes grupos de empresários no país: os dependentes da máquina pública para obter privilégios, ligados ao chamado de “capitalismo de Estado neocorporativista”, e os detentores de negócios de pequeno e médio portes com pavor de pagamento de impostos ao Estado. Nenhum tem um projeto de Nação a defendercom impessoalidade no Congresso ou no Poder Executivo.

Como as doações de empresas a campanhas foram proibidas, tem vantagem eleitoral o candidato ricaço com patrimônio pessoal suficiente para autofinanciamento eleitoral.Os 13 candidatos à Presidência da República declararam patrimônio somado de R$ 834 milhões, mas cadaqual possuide nadaa quase meio bilhão de reais.

Dá para comparar o patrimônio dos candidatos com a estratificação social da riqueza financeira, considerando as médias per capita de aplicações financeiras em depósitos de poupança, fundos e títulos e valores mobiliários no final do 1º. Semestre de 2018. Eram 83 milhões de depositantes de poupança com menos de R$ 100,00 e média de R$ 14,41); 64 milhões de clientes do varejo tradicional com média R$ 14,4 mil; 6,3 milhões de clientes do varejo de alta renda com média de R$ 129,5 mil; 122.219 clientes de Private Banking com média per capita de R$ 8,265 milhões. Desconsiderando os depositantes de poupança, eram apenas 11.254.167 investidores no varejo com média de R$ 94 mil. Segmentando-os, os 7,27 milhões de investidores do Varejo Tradicional tinham em média R$ 46 mil e os 4 milhões do Varejo de Alta Renda, R$ 181 mil. A riqueza financeira per capita das 58 mil famílias de alta fortuna era R$ 17,433 milhões.

Quem se encontra entre esses ricaços? Primeiro, João Amoêdo (Novo), cuja carreira profissional ocorreu como executivo do setor bancário, com R$ 425 milhões. Depois o ex-ministro da fazenda Henrique Meirelles (MDB), com R$ 377 milhões. Ele presidiu o BankBoston e o Banco Central do Brasil.Seguindo a lista dos presidenciáveis mais ricos,aparece o João Goulart Filho (PPL) com R$ 8,6 milhões e José Maria Eymael (DC) com R$ 6,1 milhões. Depois deles, vêm Álvaro Dias (Podemos), Jair Bolsonaro (PSL), Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB), todos com patrimônio declarado entre R$ 1 milhão e R$ 3 milhões. Fernando Haddad, possível substituto de Lula, declarou um patrimônio no valor de R$ 428,451 mil, sendo 64% em imóvel. A candidata da Rede, Marina Silva, declara ter R$ 118 mil em patrimônio. O bombeiro militar Cabo Daciolo (Patriota) apesar de ser deputado federal desde 2015, com salário mensal de R$ 33,7 mil, afirmou à Justiça eleitoral não ter nenhum bem.O patrimônio familiar está registrado em nome da esposa.

Os candidatos não declaram o preço de mercado de seus imóveis do mesmo modo como nas DIRPF. Com isso reduzem bastante o valor do patrimônio pessoal.

Valorespecuniários não são indicadores certeiros de valores morais ou éticos.Valores político-ideológicos são mais relacionados às ocupações, isto é, às castas, ou às dinastias. Estas são defensoras tradicionais de suas famílias (clãs) e suas propriedades.

* - Fernando Nogueira da Costa - Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Brasil dos Bancos” (2012) e “Bancos Públicos no Brasil” (2016). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

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