MÍDIA

Fernando Nogueira da Costa | GGN

W. S. Jevons (1835–1882) é mais conhecido hoje por suas contribuições microeconômicas para a teoria neoclássica em vez de ser por suas tentativas empíricas de medir as relações macroeconômicas, importantes na história da econometria. Seus estudos estatísticos macroeconômicos sobre os ciclos de negócios não foram muito bem recebidos por outros economistas. Foram até ridicularizados.

Jevons estava interessado em descobrir a causa dos ciclos de negócios. Eles faziam os preços relativos flutuar durante certos períodos. Qual seria a razão da duração?

Como o comportamento cíclico não parecia estar relacionado ao comportamento individual de maximização da utilidade, ele pensava haver uma causa na natureza para as oscilações da atividade econômica. Provavelmente, pensou, teria algo a ver com fenômenos climáticos. Levantou a hipótese de as manchas solares serem uma causa provável.

Flutuações na atividade do sol teriam efeitos climáticos. Seus ciclos têm periodicidade de 11 anos. Gerariam os ciclos meteorológicos e estes, por sua vez, resultariam nos ciclos econômicos.

Para testar sua hipótese, Jevons analisou dados agrícolas sobre as flutuações das safras, disponíveis desde os séculos XIII. Tentou vinculá-las às estimativas, existentes no século XIX, sobre os acontecimentos anteriores das manchas solares.

Curiosamente, uma explicação alternativa, elaborada por John Stuart Mill (1806-1873), tinha a ver com mudanças no “clima de negócios”. Não havia explicação objetiva de por qual razão esse meio-ambiente mercantil mudava, aparentemente, com certa regularidade. Diante disso, o economista, interessado em explicar o ciclo, se voltou para fenômenos físicos, tais como as manchas solares.

Jevons comparou as duas séries temporais, sobrepondo seus dados em uma estação seca de onze anos e realizou uma análise visual de seus dados. Ele observou um “ajuste” relativamente bom, pois os ciclos pareciam coincidir.

Então, examinou os ciclos de crédito comercial, durante o século XIX. Descobriu um ciclo médio de 10,8 anos. Daí concluiu a causa provável do ciclo econômico ser as manchas solares.

Entretanto, seus colegas especialistas, interessados “em jogar dentro das 4 linhas” (sic), para defesa dos seus interesses corporativos na divisão de trabalho profissional, desejavam uma explicação endógena para o ciclo, isto é, puramente econômica. Abstraíram todas as demais áreas de conhecimento humano para elaborar uma teoria puramente econômica.

Passam-se os séculos e hoje, no XXI, a fronteira da teoria aplicada expande-se com a mistura lógica e consistente de métodos de análise das diversas áreas antes abstraídas. Essa transdisciplinaridade é conhecida como Ciência da Complexidade.

Um sistema complexo dinâmico emerge, em configurações periódicas, pelas interações entre seus diversos componentes. Um Efeito de Rede é o efeito de utilizar um bem ou serviço valorizá-lo para outros utilizadores. Os dispositivos integrantes de uma rede de computadores, roteadores dos dados, são denominados de “nós de rede” ou pontos de conexão.

Um conceito-chave desse novo método de pensar é o de dependência de trajetória. As decisões tomadas no presente são influenciadas pelas decisões tomadas no passado, embora as circunstâncias passadas (“causas primárias”) já não sejam mais relevantes. A história importa.

Há dependência da trajetória quando o resultado de um processo depende de toda a sequência de decisões tomadas pelos agentes e não apenas das condições iniciais e das atuais, como é pressuposto nos modelos de estática comparativa entre equilíbrios. Os mecanismos de retroalimentação (reforço de feedback positivo), como “efeito do movimento inercial do vencedor inicial”, originam a path dependence.

Em função de mínimas alterações das condições iniciais, o comportamento grupal e/ou social pode ser caótico. Por isso, é necessário interpretar os fatos e dados do ambiente socioeconômico enquanto ele se afasta daquelas condições primárias.

Isso é relevante inclusive para se prever o comportamento individual, pois há interação dinâmica entre o indivíduo e a situação ou contexto onde está inserido. A abordagem da complexidade é top-down (de cima para baixo) e bottom-up (de baixo para cima).

No estudo do caso recente brasileiro, a presidenta golpeada, Dilma Rousseff, apresentou um diagnóstico (GGN, 10/06/2016) das medidas econômicas tomadas na metade de seu primeiro mandato e no segundo. Ela apontou como fatores decisivos para as ações de sua equipe econômica a “financeirização” da economia brasileira, a prioridade do Banco Central restrita à inflação, o fim do super ciclo das commodities, inclusive com queda da cotação do petróleo afetando o desempenho da Petrobras, desde setembro de 2011.

Além disso, destacou um fator subestimado por economistas midiáticos: a longa temporada de seca, não prevista por eles. Provocou inflação de alimentos e afetou a produção energética das hidrelétricas de 2012 até 2015.

grafico energia armazenada nos reservatorios

Eu chamaria a atenção da minha ex-aluna para mudar o discurso de “financeirização”. Houve, na realidade, desalavancagem financeira de empresas não-financeiras, antes muito endividadas por causa do arrasto dos PACs. Sofreram um choque de juros, de abril de 2013 até outubro de 2016, quando a taxa de juro básica se elevou de 7,25% aa até 14,25% aa. Como compensação, anteriormente, Dilma lembrou ter adotado também política de controle da taxa de câmbio, taxas de juros, redução dos custos do trabalho e desonerações para contribuições sobre a folha de pagamento.

A estratégia de seu governo, desde seu início, era investir em uma política anticíclica de combate à crise mundial, ocorrendo desde setembro de 2008. Adotou, inclusive, política de conteúdo nacional, como forma de evitar, inicialmente, o efeito da apreciação da moeda nacional sobre a competitividade. Por exemplo, o país importava quase 35% dos automóveis.

A sistemática crítica neoliberal, sofrida pelo governo social-desenvolvimentista, ao processo de redução da taxa de juro básica (a maior do mundo na ocasião), provocou um “efeito sob as expectativas”. O BNDES era criticado pelos participantes do mercado de capitais por cobrar juro no Programa de Sustentação de Investimento (PSI) de 2,5% aa e, assim, inviabilizar a possibilidade de lançamento de debêntures, atreladas a percentual acima do CDI.

De julho de 2012 a janeiro de 2013, o IPCA mensal se elevou em todos os meses: saiu de 0,08% am em junho para 0,86% am em janeiro. A cotação do dólar (média anual) foi de R$ 1,76/US$ em 2010 para R$ 2,15 em 2013. A Selic média, anualizada em cada mês, caiu do pico de 12,42%, em agosto de 2011, para o vale de 7,23%, em outubro de 2012, mantendo-se nesse patamar até abril de 2013.

grafico inflacao importada e quebra de oferta

Aí, então, o Banco Central do Brasil cometeu uma “barbeiragem” na política monetária, repetida recentemente. Combateu uma temporária quebra de oferta, seja em alimentos, seja em energia, com a citada forte e contínua elevação da taxa de juro básica.

Nos dez anos anteriores a agosto de 2021, a Selic aumentou 126,54%, enquanto o IPCA acumulou 75,24%. O Efeito Borboleta teria sido as manchas solares provocadoras da longa seca?

O Efeito Borboleta refere-se à dependência de trajetória, sensível às condições iniciais, dentro da Teoria do Caos. Segundo a metáfora, o bater de asas de uma borboleta pode influenciar o curso natural das coisas e, talvez, provocar um tufão em outro lugar do mundo.

O problema é fazer essa “previsão do passado” – qual foi a borboleta responsável por isso – para contar a “história do futuro”. A partir da atual linha-de-chegada (ex-post) queremos adivinhar quando se colocou a linha-de-partida (ex-ante)...

Economista é cobrado (depois de ser pago) para ser oráculo de O Mercado. Ser oráculo significa fazer uma previsão do futuro. Sua atividade está relacionada com a adivinhação do futuro: a revelação de coisas ocultas ou da vontade do divino O Mercado, sobrenatural por conta de onipresença, onipotência e onisciência.

Infelizmente, não possui esse saber absoluto, nem tudo sabe ou conhece. Há sempre diferenças entre as previsões e o acontecido no futuro emergente de decisões interativas.

Ele é incerto por ser resultante de decisões ainda a serem tomadas. Elas são descentralizadas, descoordenadas e desinformadas umas das outras.

A análise econômica se foca, portanto, em processos nos quais, depois de momentos formativos iniciais (conjunturas críticas como o Efeito Seca), quando uma opção de política é escolhida, a partir de uma gama de alternativas, e canaliza assim o movimento futuro em uma direção específica. Cada passo nessa trajetória caótica produz consequências, de modo a aumentar a atratividade relativa dessa dependência, na próxima rodada, gerando um poderoso ciclo de autorreforço.

Com reforços de feedback, em processo especulativo de seguir tendência (“comportamento de manada”), quanto mais se tem, mais se ganha. Sem controle, amplificam o movimento em círculos virtuosos ou viciosos.

No caso de equívoco na política de juros, ao provocar atrasos nos fluxos para acumulação de estoque, gera obstinação no sistema. Exige tempo politicamente demasiado para a regeneração da confiança.

De acordo com a Teoria do Ciclo Econômico, elaborada por Ludwig von Mises, guia intelectual da atual equipe governamental, a redução artificial das taxas de juros por Banco Central leva a uma má alocação de recursos. As empresas realizam projetos de investimento, cuja viabilidade seria duvidosa antes da redução das taxas de juros.

Essa má alocação de recursos é comumente descrita como insustentável em longo prazo. Daí a crítica dos neoliberais golpistas à política econômica da Dilma.

A manutenção do crescente e disparatado patamar dos juros foi até outubro de 2016. Provocou o efeito encadeamento, sentido até hoje ao somar outros “cisnes negros” inesperados: Grande Depressão (2015-2016) - Estagdesigualdade (estagnação econômica e concentração de riqueza: 2017-2019) - Grande Depressão (pandemia de 2020) - Estagflação (crise hídrica em 2021). A configuração atual dessa dependência de trajetória caótica é o retrocesso socioeconômico e político do Brasil.

O ciclo solar 24, cujo início estava previsto para março de 2008 pelo NOAA (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica), teve um alarme falso em 4 de janeiro daquele ano (a mancha solar detectada era remanescente do ciclo 23), parece ter começado efetivamente em 22 de setembro de 2008. Todavia, e até 30 de janeiro de 2009, com o surgimento de apenas seis novas manchas, a previsão passou a ser o período de máximo solar só ter principiado realmente em meados de 2010, atingindo o ápice em 2013.

O esvaziamento dos mananciais começou em 2013 com níveis de água maiores face aos existentes hoje. O prognóstico atual é muito ruim. O sistema Cantareira, por exemplo, chegará ao fim de 2021 com nível de 36%, se as chuvas ficarem na média histórica. Mas o tempo deve ficar mais seco por causa da ocorrência do La Niña. Com chuvas 25% abaixo da média, o nível chegaria a 27%, entrando na faixa de “restrição”. Nos últimos dez anos, o Cantareira teve apenas um ano com chuva acima da média histórica.

grafico agua escassa

O estudo sobre os danos sociais e econômicos, decorrentes de desastres naturais (e decorrentes causas humanas), evidencia o contraste dos fenômenos hidro meteorológicos e climáticos no Brasil. Vão desde as secas prolongadas ao excesso de chuvas, das temperaturas negativas ao calor intenso, tudo no mesmo ano.

Esses desastres naturais afetaram a vida de milhões de pessoas por diversas vezes. Entre 2010 e 2019, os danos materiais, como bens imóveis e instalações danificadas ou destruídas, segundo a Organização Mundial de Meteorologia (OMM), causaram prejuízos totais de R$ 168,4 bilhões. Foram quase 30 mil ocorrências no período, com a prevalência de estiagens e secas. Eventos mais extremos, como alagamentos e chuvas intensas, causaram a morte de 1.734 pessoas e deixaram cerca de 50 mil feridos, 1.374 desaparecidos e mais de 3 milhões de desabrigados.

Enquanto o povo brasileiro sofre com tudo isso, o eleito por acidente se preocupa só com a sua impunidade (e de sua família) através de um golpe de Estado, pois jamais conseguirá ser reeleito. Faz seus apoiadores de massa-de-manobra, ou melhor, sem eles terem uma visão bem-informada, usa-os para manobras de caminhões...

 

As opiniões expressas no artigo são de responsabilidade pessoal do autor.

Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor do livro digital “Política e Planejamento Econômico” (2021). Baixe em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..