MÍDIA

Fernando Nogueira da Costa | No GGN

Reuni, em uma coletânea de estudos sobre Finanças, uma série de Textos para Discussão do IE-UNICAMP de minha autoria, publicados há mais de uma década. Além desse material, talvez desconhecido pelos leitores atuais, apresentei outros artigos-resenhas e reflexões recentes, críticas à literatura de denúncia da “financeirização”.

No primeiro capítulo, fiz uma abordagem da Economia Normativa Religiosa – “o que deveria ser” de acordo com o Catolicismo Anti-Usura, o Protestantismo Ascético e as Finanças Islâmicas. O conceito de “poupança” tinha sido abandonado por nós, classificados como “economistas heterodoxos”, até se registrar, de fato, um corte de gastos em consumo, durante a pandemia, quando a taxa de juro real estava “zerada”.

Antes, esse conceito era apropriado apenas à abstração teórica do capitalismo liberal de mercado. Os autores neoclássicos o idealizaram. Na realidade concreta, era substituído pelo conceito de funding, adotado por economistas pós-keynesianos, devido a ele ser mais adequado ao entendimento da economia de endividamento contemporânea. Crédito é mais relevante, para o crescimento da renda e do emprego, em lugar de poupança.

Depois de investigar 250 anos da história do pensamento econômico, através do exame de obras de Adam Smith, Jeremy Bentham, John Stuart Mill, Thorstein Veblen, John Hobson, Adolf A. Berle e Gardiner C. Means, Richard Thaler, e Richard Layard, no segundo capítulo, conclui estar sendo retomado o caráter multidisciplinar dos primórdios da Ciência. Os cientistas estão empenhados em conhecer o comportamento humano na tomada de decisões de comprar, vender ou investir.

Áreas de conhecimento distintas da Ciência estão somando recursos para estruturar a área de pesquisa destinada a cumprir essa tarefa: a Neuroeconomia. Esta área transdisciplinar é resultado da união de ferramentas de investigação e conhecimentos antes especializados em determinados componentes deste sistema complexo vivenciado por nós. Estamos superando a rigidez dessa divisão de trabalho intelectual.

No terceiro capítulo, esbocei os três perfis de investidores no mercado de capitais: o homo economicus, o homo sapiens, e o homo pragmaticus. Existe diversidade de comportamentos dos investidores e não a uniformidade racional inferida da hipótese abstrata do homo economicus. Este é uma abstração.

Da mesma maneira, os vieses heurísticos, as “regras de bolso” aprendidas na “Escola da Vida” e estudados pelas Finanças Comportamentais, são distribuídos de forma heterogênea entre os investidores. Leva-nos a erros recorrentes em decisões econômico-financeiras. As mentes dos descendentes de homo sapiens são múltiplas.

A arte da especulação, habilidade sugerida pelas práxis do homo pragmaticus, é discricionária, datada e específica em cada mercado. O desafio é sempre descobrir e antecipar qual será a tendência predominante no mercado. Ela resultará dos diversos comportamentos existentes entre investidores com eventuais mimetismos. Nesses casos, surgem “comportamentos de manada” com imitação de tendências irracionais sob o ponto de vista macroeconômico.

Minha pergunta-chave, no quarto capítulo, é se está se configurando um Capitalismo Coletivo nos Estados Unidos e se poderá retornar um Capitalismo de Estado Neocorporativista no Brasil. Essa derivação histórica poderá se dar não com a Era da Financeirização, como dizem muitos colegas economistas, mas sim com a mistura entre economia de endividamento público e bancário com economia de mercado de capitais.

Nessa transição sistêmica, os investidores institucionais, em particular os fundos de pensão com capital de origem trabalhista e os demais fundos de investimentos, poderão ter papel-chave na configuração de um Capitalismo de Estado Neocorporativista.

Para examinar a questão, inicialmente, discuti a aplicação do conceito de Capitalismo de Estado, inclusive fazendo análise comparativa internacional. Depois, examinei a etimologia do Neocorporativismo.

Estudei alguns casos de “reestatização” na Era Social-Desenvolvimentista. Esbocei o perfil da gestão de fundos de pensão, atores cada vez mais atuantes nessa estratégia de desenvolvimento socioeconômico. Por fim, conclui com uma reflexão sobre a Nomenclatura à brasileira.

O objetivo do quinto capítulo sobre Finanças do Trabalhador foi reunir argumentos e evidências empíricas em favor da hipótese de ser viável o sucesso financeiro do trabalhador assalariado de alta renda, propiciando-lhe independência financeira em relação ao empregador e/ou à Previdência Social. Dependerá da efetivação do planejamento de aplicações regulares de parte da renda de seu trabalho, durante a fase ativa de vida profissional, até conseguir viver apenas dos rendimentos financeiros. Sem culpa por “cometer um pecado”, em sua aposentadoria, será um rentista!

Em geral, o trabalhador não enriquece no mercado de capitais, mas sim com uma capacitação profissional adequada à evolução sistêmica. Nesse caso, poderá receber um salário acima de suas necessidades básicas e acumular as sobras de renda.

Inicialmente, apresentei uma breve resenha crítica à literatura de autoajuda financeira. Depois, investiguei as causas da mobilidade social no Brasil.

Em seguida, os riscos do consumismo e do endividamento excessivo das classes emergentes foram discutidos. Apresentei os erros comportamentais recorrentes. Formulei algumas orientações gerais para tomadas de decisões racionais em investimentos financeiros face a possíveis cenários futuros.

Apresentei, no sexto e último capítulo, um resumo conceitual do fenômeno denominado “financeirização”, realizada pela abordagem marxista. Depois, fiz uma síntese da abordagem pós-keynesiana.

Após a análise crítica do diagnóstico de vivenciarmos, atualmente, a Era do Capital Improdutivo, apontei o viés do economicismo – determinação direta da política pela economia –, derivado da literatura de denúncia à “financeirização” e/ou ao “rentismo”. Finalmente, critiquei a panfletagem contra essa pressuposição de evolução sistêmica, espécie de uma Nova Era, em particular, a defenestração de “o rentismo-patrimonialista dos donos do dinheiro”.

Panfleto é um escrito satírico ou violento, geralmente político. Peca por usar (e abusar de) muitos adjetivos e ser pouco substantivo. Baseia-se em rótulos pré-fabricados, apresentando uma notável falta de raciocínio lógico e fundamentação empírica para suas proposições, subentendidas apenas na leitura das entrelinhas.

A literatura de denúncia à adjetivada “financeirização” padece de alguns problemas críticos. Abusa da Falácia do Espantalho ao apresentar de forma caricata a atuação do sistema financeiro, com o objetivo de atacar essa falsa ideia em vez de analisar a complexa evolução sistêmica capitalista.

Aliás, trata esse sistema capitalista-financeiro como fosse um setor. Ao contrapô-lo ao setor dito “real” ou produtivo, deduz ele ser “fictício” ou improdutivo! Pior, seus profissionais são criticados porque seriam “ociosos”!

Ao cometer essa insanidade, não só deixam de entender esse sistema complexo emergente de múltiplas interações entre todos seus componentes, como também não acatam um “argumento de autoridade” como Joseph Schumpeter (1883-1950).

Para ele, os profissionais responsáveis pela gestão do dinheiro, caricaturados como “pessoas do mal” tal como “os banqueiros”, são os verdadeiros empreendedores. São capazes de mobilizar capital, avaliar projetos, administrar riscos, monitorar os administradores das empresas não-financeiras, fazer bons negócios, redirecionar os recursos de velhos para novos canais.

Propiciam inovação disruptiva com destruição criativa através de invenção, uma possibilidade tecnológica ainda não tentada, novos produtos ou novas fontes de matérias primas. Para tanto, têm de oferecer crédito sem o risco de perda dos recursos de terceiros, usados como fontes de financiamento.

A alavancagem financeira desse negócio inovador exige também um ambiente de negócios com respeito aos direitos de propriedade e à acumulação de capital inclusive por trabalhadores. Livre-comércio e câmbio estável também devem ser garantidos.

Infelizmente, a literatura de denúncia da “financeirização” não dimensiona o dito com estatísticas. Ela não testa suas hipóteses com a medição de seus argumentos com conhecimento de causa. Fiz alguns testes com evidências estatísticas e as falseei.

Discordo de, em uma sociedade democrática tolerante, do ato de se livrar de alguém, politicamente, através de sua marginalização social. Não aprecio o truque de retórica reducionista de tudo a um conflito binário tipo “nós contra eles”. Nós todos “bancarizados” somos parte de um sistema bancário, bem como são “os banqueiros” de passagem profissional temporária na alta administração dos bancos.

Download do livro: Fernando Nogueira da Costa. Conduzir para não ser conduzido – Crítica à Ideia de Financeirização. Maio 2021.

 

Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor do livro digital “Conduzir para não ser Conduzido: Crítica à Ideia de Financeirização” (2021). Baixe em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.