Fernando Nogueira da Costa | Na Carta Maior

Arbítrio acontece quando a resolução ou determinação é dependente apenas da vontade própria. Mas o futuro da Nação depende do desejo de um único indivíduo e sua equipe econômica subordinada? A Nação deve se submeter ao juízo ou à sentença de árbitro de um sujeito não eleito – um preposto “Posto Ipiranga” –, sem suas ideias neoliberais terem sido submetidas ao debate eleitoral? Seu candidato se omitiu da discussão de programa com os demais concorrentes à presidência da República...

Um ex-banqueiro de negócios e ex-economista da velha Escola de Chicago chegou ao poder, de maneira oportunista, trocando o apoio de sua casta de mercadores-rentistas à casta dos militares pela condição de obter “carta-branca”. Ele pensa ter adquirido faculdade de decidir, escolher, determinar, dependente apenas da sua vontade pessoal. Centralizou todos os ministérios referentes à área econômica sob seu livre-arbítrio. Porém, desde o inicio do mandato do capitão ignorante em economia, geopolítica, diplomacia, etc., o superministério não tem demonstrado comportamento adequado ao estágio pelo qual passa a economia: uma fase de desalavancagem financeira.

Suas medidas estabelecendo regras para o futuro são impróprias. No debate público delas, utiliza-se do manjado expediente da Falácia do Espantalho: apresentar de forma caricata o argumento da oposição. Ataca essa falsa ideia em vez do argumento em si. É um especialista em estigmatizar certas palavras mal-usadas no passado recente.

Sua atitude de fazer falsos e sumários julgamentos sobre algo (PT) ou alguém (Lula / Dilma) é tão abusiva e recorrente a ponto de deixar de ser convincente. Não explica seus fracassos atuais, há mais de três anos do golpe semi-parlamentarista no primeiro semestre de 2016. Usa e abusa da retórica “cortina-de-fumaça” ao censurar o passado, estigmatizar minorias, recriminar o social-desenvolvimentismo por um comportamento condenável apenas sob o ponto de vista do neoliberalismo.

Por exemplo, ele é irresponsável ao adotar uma política descabida de descapitalização da Caixa Econômica Federal com a devolução dos Instrumentos Híbridos de Capital e Dívida (IHCD), parte muito diminuta da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG): menos de R$ 40 bilhões em R$ 5,5 trilhões. Ele não mede as consequências sociais de pensar com (e se expressar em) palavras levianamente estigmatizadas, entre outras, “despedalada da CAIXA” e “fim da contabilidade criativa”. Não sabe sobre o que fala.

O IHCD não é nenhuma “jabuticaba” brasileira. Faz parte do Acordo da Basiléia III. O Banco Central do Brasil deu autorização para a classificação destes instrumentos híbridos como Nível I – Capital Principal. Está em total conformidade jurídica. Nas normas regentes dos contratos de “empréstimos perpétuos”, utilizados como lastro, há duas ressalvas explícitas: não podem prever prazo de vencimento e não podem ser resgatados por iniciativa do credor. Confessadamente, agora na devolução dos IHCD há uma servidão “voluntária” de preposto pelo credor (ministro da Economia) no cargo de devedor (presidente da Caixa).

Outro exemplo recente é a frustração com a falta de interesse da iniciativa privada pelo leilão dos excedentes da cessão onerosa, quando o governo do capitão e o seu “Posto Ipiranga” colheram nova derrota, na 6ª Rodada de partilha do pré-sal. As grandes petroleiras internacionais se ausentaram outra vez da concorrência, contrariando a expectativa de O Mercado, louvador da privatização do patrimônio público. Apenas uma das cinco áreas oferecidas foi negociada. A Petrobras foi a única a arrematar um bloco em parceria pequena com os chineses da CNODC.

Há múltiplos fatores para explicar o fracasso da rodada, segundo especialistas. Citam a falta de oportunidades para empresas interessadas em serem operadoras, devido à “reserva de mercado” da Petrobras no pré-sal; o excesso de licitações (três em um mês) para vender o Brasil barato rapidamente; a participação ativa de multinacionais em rodadas nos últimos anos social-desenvolvimentistas, quando ainda havia otimismo com o País; e as discussões sobre a revisão da partilha, às vésperas do leilão.

Com o atual governo brasileiro isolado internacionalmente, dada a perspectiva de impedimento ou não reeleição de quem (Trump) ele se submeteu docilmente, espera-se uma mudança de governo daqui a três anos. Os investidores globais avaliam ter muitas chances políticas de um governo social-desenvolvimentista voltar também no Brasil, depois da alternância de poder pendular, ocorrida em quase toda a América Latina, entre o desenvolvimentismo e o neoliberalismo.

Com seu linguajar chulo (ou “ispierrrto” em sua gíria carioca), após ver dois importantes leilões do pré-sal apresentarem resultados decepcionantes, o autoritário ministro da Economia atacou o regime de partilha de produção e sinalizou a possibilidade de troca pelos tradicionais contratos de concessão. De acordo com sua desculpa esfarrapada, a modelagem dos leilões acabou afastando os grandes atores internacionais da indústria.

“Os 17 gigantes mundiais não compareceram. A Petrobras levou sem ágio. Saiu todo mundo da sala”, admitiu Guedes, antes de afirmar: a partilha, criada durante os governos do PT, é “ruim” e “usada em regimes corruptos da África”. Ele se referiu ao modelo como uma “herança institucional ruim”. Detalhe: o idiota (por não perceber o malfeito à sua reputação e à Nação brasileira) desconhece a inspiração do modelo de partilha ter sido a Noruega!

Até os anos 60, a Noruega era um país sem grande importância na economia mundial. Suas finanças dependiam principalmente de exportações de peixes enlatados e de minérios de baixo valor. O país figurava entre os mais pobres da Europa. Em 1969, quando foram descobertas grandes reservas de petróleo no Mar do Norte, ela soube aproveitar a oportunidade histórica.

Com um modelo de exploração prevendo pelo menos 50% de participação estatal e parcerias com empresas privadas na operação, o país escandinavo procurou partilhar os lucros, e não só os riscos. As receitas foram centralizadas no governo federal e divididas conforme as necessidades orçamentárias da Previdência Social e de todas as cidades, viabilizando investimentos substanciais em saúde e educação. Hoje, a Noruega tem a terceira maior renda per capita do mundo (US$ 59,3 mil) e ostenta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais alto do planeta.

O modelo inspirado no norueguês foi aprovado no Congresso brasileiro e sancionado pelo então presidente Lula em 2010 como o novo marco regulatório para explorar as jazidas de petróleo no pré-sal em águas profundas, tecnologia dominada pela Petrobras.

Nesse regime de partilha, a União é dona de todo o petróleo extraído. A extração fica por conta das empresas. Elas terão de investir na operação. As empresas também deverão pagar royalties e bônus de assinatura, além de empregar 1% da receita em inovação e pesquisa. A concessionária terá direito a receber, em óleo, uma restituição sobre o custo de exploração. Essa parcela é chamada de óleo excedente.

No entanto, qual é o argumento do recolonizado culturalmente na ideologia norte-americana? Indagou simploriamente: “não será́ a concessão, usada no mundo inteiro, melhor se comparada à partilha?” Melhor para quem?! Para as Sete Irmãs do Petróleo?! Este é o apelido dado às sete maiores companhias de petróleo transnacionais dominantes do mercado petrolífero internacional até os anos 1960.

Eram elas: a Royal Dutch Shell, atualmente chamada simplesmente de Shell; a Anglo-Persian Oil Company (APOC), depois, British Petroleum Amoco, conhecida pelas iniciais BP; a Standard Oil of New Jersey (Esso ou Exxon) se fundiu com a Mobil e é, atualmente, ExxonMobil; a Standard Oil of New York (Socony), depois Mobil, fundiu-se com a Exxon, formando a ExxonMobil; a Texaco posteriormente fundiu-se com a Chevron, formando a ChevronTexaco de 2001 até 2005, quando o nome da companhia voltou a ser apenas Texaco; a Standard Oil of California (Socal) formou a Chevron e incoporou a Gulf Oil e posteriormente se fundiu com a Texaco; a Gulf Oil foi absorvida pela Chevron e virou ChevronTexaco. Assim, as sete irmãs tornaram-se apenas quatro: ExxonMobil, ChevronTexaco, Shell e BP.

As sete maiores companhias petrolíferas do mundo na atualidade são empresas nacionais estatais ou semiestatais. Elas competem entre si e com as demais companhias petrolíferas. As “novas sete irmãs”, apontadas por executivos do setor, consultados pelo jornal Financial Times, são: 1) Aramco, Arábia Saudita; 2) Gazprom, Rússia; 3) CNPC, China; 4) NIOC, Irã; 5) PDVSA, Venezuela; 6) Petrobras, Brasil; e 7) Petronas, Malásia.

O ministro da Economia tem só uma visão curto-prazista, típica de gente de O Mercado. Prioriza a busca de ajuste fiscal com corte de gastos públicos para demonstrar a solvabilidade contábil do governo federal quanto à dívida soberana carregada por investidores. Demonstra não ter nenhuma noção de geoeconomia estratégica.

Disse levianamente: “quando formos para concessão, vai ter 17, 18 caras querendo comprar”, referindo-se à óbvia preferência das empresas estrangeiras pelo modelo. Ele afirmou: “não existe leilão vazio em concessão”. “Se o negócio está ruim, você̂ paga menos. Se está bom, paga mais. Aí uma porção de gente aparece.”

Ao contrário, quem tem visão nacionalista do longo prazo, aguarda a mudança pendular do governo brasileiro. Mesmo as petrolíferas estrangeiras investirão com maior segurança “quando o carnaval chegar” com governo popular e soberano.

As opiniões expressas no artigo são de responsabilidade pessoal do autor.

 * Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-UNICAMP. Autor de “Métodos de Análise Econômica” (Editora Contexto; 2018). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.